Em uma era em que tudo cabe na palma da mão, o entretenimento também se digitalizou, mas entre as músicas, vídeos e redes sociais, há um tipo de aplicativo que vem preocupando cada vez mais os profissionais da saúde mental: Os cassinos online.
O mais comentado ultimamente tem sido o ”jogo do tigrinho”, mas aplicativos de pôquer, roleta, caça-níqueis e apostas esportivas se tornaram extremamente acessíveis, 24 horas por dia, muitas vezes com visual colorido, recompensas instantâneas e uma falsa sensação de controle. Esses elementos não são inofensivos: são cuidadosamente projetados para ativar os mesmos circuitos cerebrais associados ao vício. O grande problema é quando o jogo deixa de ser lazer e passa a gerar prejuízos financeiros, sociais, profissionais e/ou emocionais, e ainda assim o indivíduo persiste, sendo incapaz de parar por conta própria.
De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5), o transtorno do jogo (ou “jogo patológico”) é uma condição reconhecida como um transtorno de controle de impulso, com critérios diagnósticos similares aos da dependência química.
Um estudo publicado na Journal of Behavioral Addictions (Gainsbury et al., 2015) demonstrou que plataformas digitais de jogos de azar tendem a acelerar o desenvolvimento da dependência, por conta da disponibilidade constante, anonimato e ausência de limites físicos. O ciclo de compulsão e recompensa é reforçado por notificações, bônus e sons que imitam o ambiente dos cassinos tradicionais, criando uma experiência envolvente — e perigosa.
Outro artigo, da Addiction Biology (Starcevic & Aboujaoude, 2017), indica que o jogo online ativa áreas cerebrais como o núcleo accumbens e o córtex pré-frontal ventromedial — regiões também implicadas na dependência de substâncias. O uso de algoritmos para manter os usuários engajados, combinado com a facilidade de realizar microtransações com cartões de crédito, contribui para uma armadilha psicológica difícil de escapar.
Tudo isso parece estar associado ao fenômeno da ”dopamina rápida”, que faz os usuários se prenderem ao prazer momentâneo que o jogo traz.
Na prática clínica, temos visto um aumento preocupante no número de pacientes, inclusive adolescentes, que procuram ajuda após perderem grandes quantias de dinheiro ou desenvolverem quadros de ansiedade, depressão e até ideação suicida vinculados ao vício em jogos online. A pandemia de COVID-19 parece ter agravado esse cenário, ao aumentar o tempo de tela e o isolamento social.
Apesar do impacto crescente, as políticas públicas e regulamentações ainda são tímidas. Muitos desses jogos operam em zonas cinzentas da legislação, e os mecanismos de proteção ao consumidor são frágeis. Além disso, há uma glamorização do jogo digital, com uso de ”influencers” famosos em redes sociais e plataformas de streaming, que normaliza — e até incentiva — comportamentos de alto risco.
Como médico, acredito que precisamos tratar o vício em jogos digitais com a mesma seriedade com que abordamos o alcoolismo ou o uso de drogas. Isso inclui campanhas de conscientização, capacitação de profissionais de saúde, regulação mais rígida e, principalmente, oferecer alternativas saudáveis de lazer e socialização, especialmente para os mais jovens. Se o cassino agora cabe no bolso, é nossa responsabilidade, como sociedade, criar barreiras que protejam os mais vulneráveis — antes que paguem a conta mais alta: a da própria saúde mental.
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Deus te abençoe.